quarta-feira, 17 de junho de 2009

CAFÉ: POLÍTICA PÚBLICA DIVIDE LIDERANÇAS DOS PRODUTORES

Os produtores de café têm mostrado sinais de divergência no que se refere às políticas públicas para o setor.O pomo da discórdia é o atual secretário de Produção e Agroenergia, Manoel Bertone, do Ministério da Agricultura, uma dasprincipais lideranças da cafeicultura - ocupou a presidência da Cooperativa dos Cafeicultores de Garça (Garcafé) e asuperintendência do Conselho Nacional do Café (CNC). Uma parte dos produtores divulgou uma carta aberta pedindo asaída do secretário, enquanto outra parcela divulgou o manifesto público denominado "Fica Bertone".

O coro dos descontentes está concentrado em sindicatos rurais e cooperativas de cafeicultores, principalmente do Sul deMinas, região que é a maior produtora de café do País. Para os críticos, os representantes do setor no Ministério daAgricultura têm sido fracos na defesa das suas reivindicações. Por isso não conseguem dobrar as resistências na áreaeconômica do governo.

Em defesa do secretário saíram, entre outras, a Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), a maiorexportadora do grão, e a Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas de Franca (Cocapec), representante do setor noEstado de São Paulo. "Bertone conhece as necessidades do setor cafeeiro e tem trabalhado no governo federal pelavalorização da cafeicultura, atividade que gera cerca de 10 milhões de empregos em nosso País. Merece, portanto, o nossoreconhecimento", declarou o presidente da Cooxupé, Carlos Alberto Paulino da Costa.

Os produtores dissidentes procuraram marcar posição reunindo cerca de 13 mil pessoas em Varginha (MG), em meados demarço, com tratores e faixas de protesto. A partir dessa manifestação foi divulgado um documento, conhecido como Carta deVarginha, com as reivindicações do setor. Os produtores pediam conversão das dívidas (Funcafé, recursos obrigatórios erecursos livres) em sacas de café, para pagamento escalonado de 5% ao ano, nos próximos 20 anos. Também sugeriamestabelecimento de renda mínima para o cafeicultor, com fixação de preço mínimo, e um programa de leilões de opçãopública para 3 milhões de sacas de 60 kg de café.

Para surpresa dos cafeicultores, dias depois, o então secreário-executivo do próprio Ministério da Agricultura, Silas Brasileiro(PMDB-MG), criticou o movimento de Varginha, durante evento sobre irrigação de café em Araguari, no Cerrado Mineiro. Deacordo com Brasileiro, que já participou de inúmeros protestos contra a política pública para o setor, os produtores deveriamestabelecer diálogo com o governo, definindo meios para garantir renda, dentro do Conselho Deliberativo da Política Cafeeira(CDPC), envolvendo toda a cadeia café e não somente a produção. Foi um banho de água fria nos cafeicultores dissidentes.

Silas Brasileiro deixou o Ministério da Agricultura em meados de abril, para ocupar assento na Câmara dos Deputados, navaga aberta pela cassação do deputado Juvenil Alves. Para o lugar de Brasileiro, o ministro da Agricultura, ReinholdStephanes, nomeou o técnico José Gerardo Fonteles, que por 15 anos foi assessor especial do Ministério da Fazenda paraassuntos agrícolas.

O movimento de Varginha rendeu frutos, apesar das críticas do então secretário-executivo do Ministério. O governo aprovouvárias medidas de apoio ao setor. Para isso, o setor contou com reforço do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB),que por duas vezes se reuniu com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para tratar dos problemas da cafeicultura. O preçomínimo de garantia do governo foi reajustado no fim de abril. Para o café arábica, o preço mínimo da saca de 60 kg subiu deR$ 211,75 para R$ 261,69, representando aumento de 23,6%. Em relação ao café conillon, o reajuste foi de 25,8%, passandode R$ 124,40 para R$ 156,57 a saca. A cafeicultura conseguiu, ainda, a aprovação dos leilões de opção de venda ao governo,para um total de 3 milhões de sacas. O primeiro leilão, de um total de 4, está marcado para a próxima sexta-feira.

Da dívida total de R$ 4,2 bilhões da cafeicultura, principal preocupação dos produtores, cerca de R$ 1 bilhão financiados comrecursos do Funcafé foram alongados por 20 anos, com direito a pagamento por meio de entrega física do produto. Outro R$1 bilhão em dívida de estocagem tem o próprio café como garantia. O montante de R$ 2,2 bilhões em débitos ficou semsolução, sendo que cerca de R$ 1 bilhão são dívidas de custeio (vencidas e a vencer) e mais R$ 1,2 bilhão em Cédula deProduto Rural (CPR) e recursos obrigatórios do crédito rural.

Mas os produtores dissidentes não se mostraram satisfeitos com as medidas. Eles alegam que o novo preço mínimo degarantia ficou abaixo do custo de produção. A renegociação de metade da dívida do setor teria sido deixada de lado pelogoverno. E os leilões de opção, cujo primeiro vencimento ocorre em novembro, não teriam "oxigenado" o setor. Isso porque acolheita está em pleno andamento e o produtor é obrigado a vender a safra para fazer frente às despesas com mão de obra.

Para complicar, no início de maio, o secretário Bertone provocou a ira de parte dos produtores, depois de singela visita decortesia ao novo presidente da Associação Comercial de Santos (ACS), Michael Timm, também exportador de café. Noencontro, aberto ao público, os leilões de opção de venda foram um dos temas centrais. Na interpretação de algunssindicalistas, o encontro de Bertone com exportadores foi como uma "traição" ao setor produtivo.

O secretário Bertone segue inabalável no governo, com apoio declarado do ministro Stephanes, e disposto a levar adiantesuas ideias. Entre elas, se cercar de argumentos técnicos para discutir com a área econômica do governo sobre anecessidade de garantir preço remunerador ao cafeicultor, para evitar uma redução da área de plantada. Mais: mudar o perfildos financiamentos do Funcafé, atualmente concentrados no setor produtivo.

O ministro Stephanes já revelou ser incapaz de compreender a grita dos cafeicultores, que é mais forte do que outrossegmentos do agronegócio. Stephanes garantiu que, depois de lançado o plano de safra 2009/10, previsto parasegunda-feira da próxima semana (22), vai se dedicar, pessoalmente, em tentar decifrar a insatisfação dos produtores decafé, principalmente do Sul de Minas Gerais. Para isso, segundo ele, em vez de ouvir as lideranças tradicionais, buscaráoutros interlocutores.

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